29 março 2010

Por que não sou de esquerda

Artigo publicado na Revista Ultimato, março de 2010

Diante do problema do mal, experimentamos a urgência de uma solução. Para quem crê, Jesus satisfez essa urgência: inocente, sacrificou-se por nós. Assim, o cristão fiel declara com tranquilidade que o mal está em si, confiando em Cristo para a redenção. Porém, para quem não crê, o problema do mal resta irresolvido e a solução será sempre externa. Este é o “mecanismo do bode expiatório”, segundo René Girard: fazer com que alguém encarne o mal e eliminá-lo, gerando sacrifícios sem fim (enquanto a Bíblia enfatiza: o sacrifício de Jesus é eterno).

Isso se verifica facilmente entre nós, ocidentais, quando lembramos os assassinatos em massa do século XX. Judeus, ciganos, cristãos dissidentes e povos não-alemães foram os bodes expiatórios da Alemanha hitlerista: quarenta milhões de mortos. Da mesma forma, nos países comunistas o vago conceito de “classe dominante” tem justificado a condenação à morte de mais de cem milhões. Trata-se um ciclo diabólico, pois não há sacrifícios que cheguem para a sanha dos que pensam combater o mal dessa maneira. Assim, a violência aumenta na mesma proporção do secularismo.

A equiparação entre comunismo e nazismo não é novidade. No entanto, de certo modo o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães era melhor nisso: mentia menos. Seus membros não escondiam o desejo de conquistar o mundo; já o socialismo oculta seu projeto de poder total sob a compaixão pelos pobres e a promessa de um futuro glorioso. O autointitulado “protetor dos oprimidos”, ao tornar-se chefe da nação, passa a valer-se de sua anterior (e farsesca) posição de “oprimido” para solapar resistências e positivar desmandos. E o povo, além de mais empobrecido, fica definitivamente sem voz. Na Rússia, na China e no Camboja a arbitrariedade apenas mudou de mãos, tornando-se voraz como nunca; em Cuba, uma favela carioca pareceria condomínio de luxo na parte não-turística da ilha; na Venezuela, Chávez diz “eu sou o povo” para justificar a progressiva supressão da democracia.

Hoje não há cristãos nazistas (espero!), mas há uma miríade de cristãos socialistas ou comunistas. É algo difícil de compreender. Em primeiro lugar, por que um seguidor de Jesus aderiria a um arremedo de plano da redenção? Para confessar esse endosso, precisaria necessariamente subverter todo o pensamento bíblico, substituindo a criação divina pela matéria autônoma, o pecado original pela propriedade privada, a salvação em Cristo pela revolução socialista. Se não o fez, é porque ainda oscila entre os dois mundos, sem perceber que são díspares — a cultura marxista mimetizando a cristã.

Em segundo lugar, por que um cristão se posicionaria a favor de um Estado forte que pune seus dissidentes? O processo de centralização do poder empurra a igreja ou para o servilismo ou para a clandestinidade onde quer que o socialismo seja implementado. De fato, Hannah Arendt estudou o totalitarismo e concluiu que o isolamento torna o ser humano muito mais vulnerável ao controle estatal. Por isso, esse regime ataca prioritariamente as livres associações (a família, a igreja, a escola, o comércio), buscando atomizar a sociedade no melhor estilo romano “dividir para conquistar”.

Ser socialista e cristão é tomar o partido de César, não de Cristo. Sobretudo, ser socialista e cristão no Brasil de hoje é assumir uma postura perigosíssima para a igreja. De várias maneiras, o governo atual, honrando suas influências teóricas e suas alianças internacionais, busca cada vez mais controle sobre a sociedade. É quando precisamos recorrer aos ensinamentos de Calvino e Kuyper: por causa do pecado, Deus instituiu os magistrados para punir os maus e garantir a ordem; porém, o Estado jamais pode ferir a soberania das esferas individuais, familiares e corporativas, pois a autoridade de cada esfera descende igualmente de Deus. Caso o faça, devemos orar para que retorne ao ideal divino, opondo-nos a cada atentado à liberdade e amparando os perseguidos. Mas isso só será possível se substituirmos a cosmovisão esquerdista por uma genuína cosmovisão cristã. Que Deus ajude a igreja brasileira nessa empreitada.

24 março 2010

Infanticídio indígena e justificações antropológicas

Indiozinho
Há tanto tempo que ninguém poderia contar, boa parte das tribos brasileiras acredita que a certas crianças não é permitido sobreviver. Crianças com defeitos congênitos, gêmeos, filhos de mães solteiras representam, segundo crenças muito antigas, um risco espiritual para toda a aldeia. O costume é matá-las assim que nascem.

Algumas dessas famílias indígenas pressentem a crueldade desse ato e, contrariando a tradição, fogem da aldeia, recusando-se a assassinar seus filhos. (O menininho da foto, Niawi, foi enterrado vivo no Amazonas aos 5 anos de idade, por não conseguir aprender a andar. Seus pais eram contra o sacrifício e se suicidaram antes do acontecimento.) A Atini, uma organização sem fins lucrativos, oferece apoio para esses índios que estão na contracultura. Pretende com isso diminuir todo esse sofrimento e impedir a matança de mais indiozinhos.

Porém, no melhor estilo petersingeriano, partidários do relativismo cultural não apenas discordam dessa intervenção, mas negam o próprio fato de que o indiozinho recém-nascido é… gente! E um deles é uma antropóloga que se diz conselheira da UNICEF! Confira a história, contada pela presidente da Atini, Marcia Suzuki.


A ESTRANHA TEORIA DO HOMICÍDIO SEM MORTE
Marcia Suzuki

 

Alguns antropólogos e missionários brasileiros estão defendendo o indefensável. Através de trabalhos acadêmicos revestidos em roupagem de tolerância cultural, eles estão tentando disseminar uma teoria no mínimo racista. A teoria de que para certas sociedades humanas certas crianças não precisariam ser enxergadas como seres humanos. Nestas sociedades, matar essas crianças não envolveria morte, apenas “interdição” de um processo de construção de um ser humano. Mesmo que essa criança já tenha 2, 5 ou 10 anos de idade.

Deixe-me explicar melhor. Em qualquer sociedade, a criança precisa passar por certos rituais de socialização. Em muitos lugares do Brasil, a criança é considerada pagã se não passar pelo batismo católico. Ela precisa passar por esse ritual religioso para ser promovida a “gente” e ter acesso à vida eterna. Mais tarde, ela terá que passar por outro ritual, que comemora o fato dela ter sobrevivido ao período mais vulnerável, que é o primeiro ano de vida. A festa de um aninho é um ritual muito importante na socialização da criança. Alguns anos mais tarde ela vai frequentar a escola e vai passar pelo difícil processo de alfabetização. A primeira festinha de formatura, a da classe de alfabetização, é uma celebração da construção dessa pessoinha na sociedade. Nestas sociedades, só a pessoa alfabetizada pode ter esperança de vir a ser funcional. E assim vai. Ela vai passar por um longo processo de “pessoalização”, até se tornar uma pessoa plena em sua sociedade.

Esse processo de socialização é normal e acontece em qualquer sociedade humana. As sociedades diferem apenas na definição dos estágios e na forma como a passagem de um estágio para outro é ritualizada.

Pois é. Esses antropólogos e missionários estão defendendo a teoria de que, para algumas sociedades, o “ser ainda em construção” poderá ser morto e o fato não deve ser percebido como morte. Repetindo – caso a “coisa” venha a ser assassinada nesse período, o processo não envolverá morte. Não é possível se matar uma coisa que não é gente. Para estes estudiosos, enterrar viva uma criança que ainda não esteja completamente socializada não envolveria morte.

Esse relativismo é racista por não se aplicar universalmente. Estes estudiosos não aplicam esta equação às crianças deles. Ou seja, aquelas nascidas nas grandes cidades, mas que não foram plenamente socializadas (como crianças de rua, bastardas ou deficientes mentais). Essa equação racista só se aplicaria àquelas crianças nascidas na floresta, filhas de pais e mães indígenas. Racismo revestido com um verniz de correção política e tolerância cultural.

Tristemente, o maior defensor desta teoria é um líder católico, um missionário. Segundo ele "O infanticídio, para nós, é crime se houver morte.  O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser humano", afirma.”i

Uma antropóloga da UNB concorda. "Uma criança indígena quando nasce não é uma pessoa.  Ela passará por um longo processo de pessoalização para que adquira um nome e, assim, o status de 'pessoa'.  Portanto, os raríssimos casos de neonatos que não são inseridos na vida social da comunidade não podem ser descritos e tratados como uma morte, pois não é.  Infanticídio, então, nunca." ii

Mais triste ainda é que esta antropóloga alega ser consultora da UNICEF, tendo sido escolhida para elaborar um relatório sobre a questão do infanticídio nas comunidades indígenas brasileiras iii. Como é que a UNICEF, que tem a tarefa defender os direitos universais das crianças, e que reconhece a vulnerabilidade das crianças indígenas vi, escolheria uma antropóloga com esse perfil para fazer o relatório? Acredito que eles não saibam que sua consultora defende o direito de algumas sociedades humanas de “interditar” crianças ainda não plenamente socializadas. v

O papel da UNICEF deveria ser o de ouvir o grito de socorro dos inúmeros pais e mães indígenas dissidentes, grito este já fartamente documentado pelas próprias organizações indígenas e ONGs indigenistas. vi

A UNICEF deveria ouvir a voz de homens como Tabata Kuikuro, o cacique indígena xinguano que preferiu abandonar a vida na tribo do que permitir a morte de seus filhos. Segurando seus gêmeos sobreviventes no colo, em um lugar seguro longe da aldeia, ele comenta emocionado:

“Olha pra eles, eles são gente, não são bicho, são meus filhos. Como é que eu poderia deixar matar?” vii

Para esses indígenas, criança é criança e morte é morte. Simples assim.



[i] http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=347765
[ii] idem
[iii] Marianna Holanda fez essa declaração em palestra que ministrou em novembro de 2009 no auditório da UNIDESC , em Brasília.
[iv] Segundo relatório da UNICEF, as crianças indígenas são hoje as crianças mais vulneráveis do planeta. “Indigenous children are among the most vulnerable and marginalized groups in the world and global action is urgently needed to protect their survival and their rights, says a new report from UNICEF Innocenti Research Centre in Florence.”
[v] Em algumas sociedades, crianças não socializadas seriam gêmeos, filhos de mãe solteira, de viúvas ou de relações incestuosas, crianças com deficiência física ou mental grave ou moderada, etc. A dita “interdição” do processo pode ocorrer em várias idades, tendo sido registrada com crianças de até 10 anos de idade, entre os Mayoruna, no Amazonas. Marianna defende essa “interdição” em dissertação intitulada “Quem são os humanos dos direitos?” Estudo contesta criminalização do infanticídio indígena
[vi] www.quebrandoosilencio.blog.br www.atini.org www.movimentoindigenaafavordavida.blogspot.com http://vimeo.com/1406660 carta aberta contra o infanticídio indígena
[vii] Trecho de depoimento do documentário “Quebrando o Silêncio”, dirigido pela jornalista indígena Sandra Terena. O documentário está disponível no link www.quebrandoosilencio.blog.br

22 março 2010

Coisinhas sobre mim (2)

- Os únicos críticos do capitalismo dignos de minha atenção respeitosa são aqueles que não se renderam a nenhum tipo de opressão estatal socialista. Ou seja, aqueles que são honestos o suficiente para não usar o capitalismo como bode expiatório do socialismo.

- Não sou gorda, mas tem pelo menos dez anos que eu queria perder uns quilos para sempre. Poderia adaptar aquela frase famosa de Mark Twain: “Emagrecer é fácil, eu já emagreci várias vezes!”

- Gosto muito do seriado americano Without a Trace (Desaparecidos). Quando cheguei à terceira temporada, percebi isto: via de regra, os desaparecidos são pessoas reservadas ou cheias de segredos. Isso atrapalha a investigação, já que familiares e amigos não podem ajudar muito quando entrevistados. Pois bem: eu me comporto como se um dia fosse desaparecer, contando tudo sobre mim para as pessoas que mais amo. Se isso não for saudável por alguma razão (ainda não descobri qual), pelo menos pode ser útil para me acharem um dia.

- Estou sedenta de mais música boa que louve a Deus. Se você sabe de algum músico ou grupo que seja de fato diferente do que se ouve hoje nas rádios ou “por aí”, por favor, poste nos comentários. Por exemplo: Elomar (embora não o tempo todo) e aquele casal fofo que pastoreia a igreja do Surfjan Stevens. Folk é uma ótima (tipo Nick Drake, Neil Young, Kings of Convenience), mas pode ser também rock ou pop, desde que seja de fato bom (tipo Paul McCartney, David Bowie, Billy Joel). Agora, se for tão original quanto Rumo, Air ou Beirut, irei às nuvens. E, se as letras forem citações diretas da Bíblia, melhor ainda! (Ok, sei que estou pedindo demais, hehe!)

15 março 2010

Abaixo-assinado pela liberdade em Cuba


O caso de Orlando Zapata Tamayo (ver meu post aqui) tem despertado pessoas em todo o mundo para protestar contra as condições desumanas da ditadura cubana. Quero juntar minha voz a esse coro pela libertação dos presos políticos em Cuba e pelo fim do cruel regime dos irmãos Castro. Se você também gostaria de participar desse clamor, assine aqui. O texto do abaixo-assinado em português:

Pela libertação imediata e sem condições de todos os presos políticos das prisões cubanas; pelo respeito ao exercício, promoção e defesa dos direitos humanos em qualquer parte do mundo; pelo decoro e o valor de Orlando Zapata Tamayo, injustamente preso e brutalmente torturado nas prisões cubanas, morto após greve de fome por denunciar estes crimes e a falta de liberdade e democracia no seu país; pelo respeito à vida dos que correm o risco de morrer como ele para impedir que o governo de Fidel e Raul Castro continue eliminando fisicamente aos seus opositores pacíficos, levando-os a cumprir condenações injustas de até 28 anos por "delitos" de opinião; pelo respeito à integridade física e moral de cada pessoa, assinamos esta carta, e encorajamos a assiná-la também, a todos os que elegeram defender a sua liberdade e a liberdade dos outros.
E não deixe de dar uma olhada:

No blog cubano que está veiculando o abaixo-assinado;
No vídeo da manifestação dos cubanos de Miami na embaixada brasileira nos EUA;
No desabafo de Marcelo Madureira (do Casseta & Planeta) sobre os "recados" do governo.

10 março 2010

Interpretações (3)

Sei que, apenas por meu antiesquerdismo, muitos colam ou colarão em mim uma atitude elitista. (No entanto, que injustiça, se estudassem saberiam que o Estado socialista é a forma mais cruel de elitismo!) Pelo contrário, meu sempre presente horror ao elitismo foi o que me salvou de muitos erros teológicos. Explico.

Quando eu era esotérica, tinha literalmente raiva da Bíblia porque, segundo os “mestres” do esoterismo, o que se lia nunca era o que se lia. Lembro-me de assistir a palestras sobre a Bíblia em um centro esotérico. A palestrante, “incorporada”, explanava o trecho em que Jesus vê Natanael embaixo da figueira (Jo 1.48). Dizia ela: “Filipe significa isso, Natanael significa aquilo, a figueira significa aquilo outro...” Ou seja: sem uma ridícula, nada democrática e provavelmente impossível tabela de simbolismos, os escritos bíblicos seriam sempre um conjunto inalcançável. Isso me manteve por anos longe desse Livro, pois, apesar de esotérica, desagradava-me profundamente que fosse uma leitura somente para “entendidos”.

Hoje, quando leio sobre os críticos heterodoxos que adoram — a-do-ram — inventar simbologias escalafobéticas para a Bíblia, no mesmo estilo que a mestra “incorporada” (“tal personagem significa isso...”), sempre formulo mentalmente a seguinte regra: se a leitura desses “eruditos” é diferente demais da leitura de qualquer mortal, jogue fora. O mesmo vale para estudiosos que até acatam o sentido primário dos textos bíblicos, mas os desprezam em favor de outros “mais profundos”, aos quais se apegam mais, afirmando até mesmo que esses sentidos (o “básico” e o “profundo”) se opõem! (É, tem louco pra tudo…)

A questão é: Jesus nunca deixaria longe de seu Reino os pequeninos; muito pelo contrário, eles são privilegiados na revelação (Mt 11.25)! Portanto, desconfie da chamada teologia liberal e neo-ortodoxa, além de todo tipo de “esoterismo cristão”: a maioria desses autores eruditiza demais a Bíblia e nega a leitura básica, mandando os pequeninos amados por Jesus para o fim da fila da compreensão de sua fé.