22 outubro 2009

Orem pela Venezuela

Se eu não fosse cristã, e se ainda por cima cultivasse o hábito das superstições, certamente veria algum laço nefasto entre a aparição simbólica de Fidel Castro no post anterior e a aterrorizante notícia dada por Graça Salgueiro no blog Notalatina hoje, e que pode ser resumida na seguinte frase: Chávez desfere poderoso golpe na propriedade privada venezuelana.

O jornal El Caraboleño deu a "versão oficial" (leia-se: em novilíngua) da resolução. O resumo da coisa é o seguinte: sob o pretexto de "preservação", Chávez declarou patrimônio cultural um número gigantesco de construções em Caracas. Casas particulares também! Veja a lista:

Autopistas, avenidas, ríos, árboles, sitios arqueológicos, parques, haciendas, edificios públicos y privados, casas, colegios, plazas, museos, iglesias, teatros, estaciones de metro, cementerios, entre otros.
 
E o que significa isto? Significa que o pobre coitado do venezuelano proprietário de qualquer uma dessas construções NÃO PODERÁ vender, doar, herdar ou fazer QUALQUER COISA com seus bens sem uma AUTORIZAÇÃO do Instituto do Patrimônio Cultural.

Que golpe de mestre na propriedade privada! Resta saber o que o povo venezuelano fará para deter essa marcha inexorável para o comunismo.

Leiam toda a matéria no Notalatina, orem pelos venezuelanos e não deixem de lamentar publicamente a postura de alguns líderes evangélicos do Brasil que deram seu apoio ao tirano. Minha indignação se exprimirá aqui por meio de uma sofrida interrogação:  

Até quando grande parte dos cristãos protestantes brasileiros estará do lado da monstruosa e sangrenta utopia comunista, em vez de tomar o partido da liberdade?

18 outubro 2009

O que é bom para Fidel...

Apesar de carioca — ou justamente por isso, hehe — , não fiquei muito comovida com a escolha do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016. Li pela web as opiniões de alguns eternos esperançosos, que vislumbram na decisão uma oportunidade incrível de progressos para a cidade, mas eu vejo o que sempre vi nos meus trinta anos de moradora do Rio: maquiagens sem fim no panorama das favelas maiores, ocupação militar nas ruas para coibir os marginais e quase que só isso. Depois, volta tudo ao “normal”. Claro, uma parcela da população vai investir ou trabalhar no evento, e com isso um certo up no seu rico dinheirinho será inevitável. Mas isso se verificará significativamente bom para a cidade como um todo e por um tempo razoável? Sem que se mexa no principal, a criminalidade envolvida no tráfico de drogas? No creo, no creo... Comemorar o fato me soa, mais ou menos, como alegrar-se pelo novo show de fogos de artifício em um navio que já começou a afundar (do qual me evadi antes que fosse tarde demais).

A notícia de ontem — bandidos derrubam helicóptero da polícia militar, caramba! — parece apenas reforçar que é preciso passar da miopia otimista para um plano de ação efetivo e duradouro.

E, como se não bastasse, li no ótimo blog Traduzindo para o juridiquês mais uma razão para torcer o nariz para o otimismo olímpico (nos dois sentidos) dos cariocas:

Fidel Castro escreveu no Granma - aquele jornal oficial apropriadamente utilizado pelos cubanos como substituto do papel higiênico - que a escolha do Rio para os jogos olímpicos de 2016 significou o "triunfo do Terceiro Mundo".

Definitivamente, o que é bom para Fidel é ruim para o Brasil, não é? Só isso já me tira a vontade de participar da euforia geral por esse duvidoso triunfo do Terceiro Mundo! Porém, não custa sonhar um pouquinho. Quem sabe os frutos dessas Olimpíadas não se limitarão às conhecidas macaquices plásticas em alguns cartões postais do Rio. Se o dinheiro aplicado na cidade puder ajudar para reabilitá-la do crime, maravilha! Mas eu penso mesmo é em outra coisa: apesar do que aconteceu àqueles pobres pugilistas deportados em 2007, desejo do fundo da alma que alguns atletas cubanos consigam escapar para sempre da ilha-cárcere durante os jogos — sem deportação!

15 outubro 2009

Não quero apagar da memória...

Não quero apagar da memória o lugar de onde eu vim. Apesar de saber que Deus já se esqueceu de todos os meus pecados antigos e recentes, quero de vez em quando recordar aquela outra criatura, que não sou mais, apenas para afirmar ainda uma vez que meu novo eu não foi uma escalada, um construto, um desprendimento, um aprendizado, uma sensatez súbita e definitiva – mas sim o débil objeto da misericórdia do Senhor.

12 outubro 2009

Tamos lendo!

Eu e André Venâncio criamos um blog chamado Tamos lendo! - assim mesmo, bem informal - para escrever especialmente sobre nossas leituras. Vai ter de tudo: teologia, conservadorismo, física, romance policial, poesia... enfim, tudo o que tamos lendo! Fique de olho! ;-)

10 outubro 2009

Resposta a um comentário não publicado II

Diante do que foi dito no post anterior, vejamos o que a Bíblia afirma sobre os pecados que você, Deborah, deixou de mencionar em sua mensagem: “Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia” (Gl 5.19). Outra versão (Almeida Corrigida e Revisada Fiel) divide o primeiro termo grego, porneia, em adultério e prostituição. Consultando mais alguns comentários e o Catecismo Maior de Westminster, descubro que a linguagem da Bíblia (logo, a mentalidade da época de Jesus) não faz diferença entre adultério e prostituição, ou fornicação, segundo demais versões. Enquanto você condena o adultério apenas quando não consentido pelos cônjuges, a Bíblia é muito mais abrangente.

Consultei pelo menos nove bíblias em linguagens diversas, incluindo mais dois idiomas que domino (inglês e francês), e as traduções diferem muito pouco entre si. Os termos são intercambiáveis: o primeiro, porneia, pode ser prostituição, fornicação, adultério, perversão, libertinagem; o segundo, akatharsia, foi traduzido por impureza (definido por John Stott como comportamento sexual anormal); e o terceiro é aselgeia, lascívia, dissolução, desregramento. Em suma, é justo o “sexo solto” que é condenado como obra da carne, portanto, um dos maus frutos do pecado que habita em nós. Seja em atos, em palavras ou em pensamentos.

Quanto à masturbação, torna-se evidente que é um dos aspectos da lascívia. Dificilmente há masturbação sem a ajuda de imagens mentais lascivas; ainda que houvesse, a dissociação entre o prazer e o amor é própria à impureza. Você se refere à manipulação inconsciente do feto ou do bebê, mas entenda que nenhum adulto se masturba assim, não é? Quando recorremos a imagens mentais para nos satisfazer sexualmente, estamos dizendo a nós mesmos que não podemos alcançar essa satisfação sozinhos, mas preferimos companhias imaginárias que simbolizam relações superficiais, apenas para um prazer físico imediato. E esse procedimento cava dentro de nós um abismo sem fim, pois não podemos distanciar nossa alma do hábito de nossos pensamentos. Posso dizer portanto sem medo de errar que a masturbação é uma espécie de preparação da alma para as relações sexuais sem amor.

Compreendo que afirmar isto é loucura em nossa época fragmentada, em que não só perdemos toda noção do quanto pensamentos, palavras e ações são um todo em cada um de nós, mas sobretudo deixamos de enxergar os pecados sexuais como fragmentadores (nisso, o termo “dissolução” fala por si) – algo que alguns séculos atrás, em sociedades profundamente influenciadas pelo cristianismo, era tão óbvio que não demandava explicações copiosas. Calvino, por exemplo, sempre tão prolixo em tudo o que escreve, não dedica mais de poucas linhas descritivas a esses pecados em seu comentário sobre Gálatas, adicionando-lhes porém uma valiosa observação: “São pecados proibidos pelo sétimo mandamento.”

Qual o sétimo mandamento? “Não adulterarás”, justamente! Ao compreender a Bíblia dessa forma, Calvino imita o procedimento do próprio Cristo, que em seu Sermão do Monte mostrou aos discípulos que a Lei de Deus está muito além de preceitos exteriores.

Diante da enumeração desses quatro pecados como “obras da carne” (“carne”, aqui, não em sentido literal, mas em oposição aos “frutos do Espírito”), é impossível deixar de notar que o sexo sem amor é condenado na Bíblia. Mas esse “amor” não é o laço frouxo do “namoro” (algo que sequer existia nos tempos bíblicos), e sim o amor verdadeiro, profundo e indissolúvel, apenas presente no compromisso matrimonial. Deus criou o sexo para, além da procriação, aprofundar o amor conjugal – amor que não abandona (Jesus o proíbe), mas cuida do outro por inteiro, corpo e espírito, até a morte.

Adão reconheceu em Eva “carne de sua carne”, um só corpo. Nessa monstruosidade que o pecado inventou, o “sexo casual”, não há como reconhecer o outro como si mesmo. Não há como reconhecer nada além do próprio prazer físico. Os corpos no sexo casual são desconectados e fragmentados. Longe de serem apenas pura busca de prazer sem maiores consequências, cada um dos pecados sexuais mencionados nas Escrituras aponta para a mesma atitude interior: o afrouxamento dos laços do amor. É por isso que eles são elencados junto com os demais na lista do apóstolo Paulo: “...idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus” (Gl 5.20-21).

Como você, Deborah, disse em sua mensagem, “o sexo é uma energia muito poderosa”. Concordo: por isso, é destrutivo sem as amarras do amor profundo e responsável. Aprendi tanto na Bíblia quanto na vida (porque me converti aos 24 anos) que sexo entre solteiros é desgosto (ainda que oculto ou inconsciente) pelo amor verdadeiro. Ter sexo com alguém a quem não se ama (e quem ama casa!) é algo que machuca a alma. Entendo hoje que essa “energia poderosa” funciona como um cimento: não dá para “colar e descolar” à vontade, a não ser que consintamos em uma boa dose de desmanche do que somos. Nem a criatura mais romântica do mundo escapa disso, se não passar pela mudança de mente operada pela conversão cristã. No início da vida sexual, os rompimentos de namoros que incluem sexo machucam muito (seja sincera com você mesma e você vai se lembrar), literalmente arrancando partes de nós; mas depois de muito tempo, em nome do prazer sem compromisso fomentado pela cultura, começamos a nos forçar a nos acostumar com o processo. O resultado é que nos tornamos cada vez menos propícios a permanecer em um relacionamento. Casamos já pensando em descasar... porque aprendemos a “colar e descolar” em uma roda sem fim. Hoje é Fulano, amanhã é Sicrano... Todos sabemos que o resultado desse “sexo solto” equivale a divórcios em série (e mágoas, crianças feridas, descrença quanto ao amor...). Culpa da “revolução sexual” dos anos 60? Certamente, mas sobretudo culpa do pecado que jaz em nós.

Que Deus a ajude a compreender e vivenciar o verdadeiro amor conjugal Nele.

Abraços.

04 outubro 2009

Resposta a um comentário não publicado


Cara Deborah,

Precisei deixar de fora a totalidade de seus comentários, pois alguns termos que você usa podem ferir a sensibilidade de meus irmãos leitores. Aliás, eu duvido de que você se dirigisse a mim pessoalmente usando esses termos: o conforto que as barreiras tecnológicas oferecem costuma deixar as pessoas menos pudicas. No entanto, algo nos seus comentários me fez pensar que, sem esse conforto, você é uma mulher bem educada com estranhos. Então vamos lá.

Na sua mensagem, você declara: “Sou a favor do homossexualismo, da masturbação, do sexo antes, durante e fora do casamento, contanto que haja respeito mútuo aos cônjuges, pois abomino traição.” Compreendo o conteúdo da sua integridade quanto ao sexo consentido. Eu mesma, embora nunca tenha partilhado dessa opinião, já tive amigos que pensavam assim. Quando eu não era cristã, concordava com o princípio geral que subjaz a essa ideia, tendendo a crer que tudo era permitido, desde que não ferisse a vontade alheia. Porém, essa é a justiça dos seres humanos: falha e limitada. Jesus apontou para esse fato no conhecido Sermão do Monte:

“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20).

Ao longo das Escrituras, entendemos que a justiça dos fariseus (e a justiça humana em geral) é superficial e submetida a subjetividades muitas vezes mesquinhas. Somos pecadores e, mesmo quando queremos acertar, erramos miseravelmente. Acreditar que podemos divorciar ato e pensamento, ato e vontade, ato e emoção etc. é uma das formas desse erro. Assim, é fácil dizer “não pratico o adultério”; mas e quanto ao que ocorre dentro de nós? Jesus sabia que nós pecamos sobretudo interiormente, e que tendemos a nos aprovar se não praticamos aquilo que nos comprazemos em alimentar em secreto. É por isso que, no mesmo Sermão do Monte, Jesus nos lega essa palavra terrível: “Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt 5.28). Ampliando o princípio, não deixamos de ser culpados diante de Deus apenas por nos abstermos da prática de determinado pecado. Conforme nos mostra Jesus em todo o sermão, também sobre “não matar” e “não jurar falso”, somos pecadores por inteiro: não só em atos ou palavras, mas em motivações, desejos e impulsos ocultos. E não há pecado que não cometamos em oculto...


A justiça dos fariseus – e de todos nós – é exterior; nossas boas ações são lixo diante de Deus, pois contaminadas por toda sorte de maldades que ninguém vê. Só Deus pode nos tornar de fato justos em Cristo, para que dependamos Dele e de sua graça contínua, sendo aos poucos transformados profundamente. Deus gera vida a partir do interior; leis e restrições exteriores são úteis, mas apenas servem para nos indicar o que está errado e nos condenar quando transgredimos. É isso que distingue o cristianismo bíblico de todas as demais religiões: nelas, há um antropocentrismo que torna possível a progressão da bondade humana através do cumprimento de certos preceitos morais; em Cristo, que morreu em nosso lugar para que tivéssemos vida, encontramos a morte do nosso ser pecador e o renascimento Nele. Portanto, toda justiça parte de Deus, e não de nós.

Assim, seja sincera consigo: os erros que você condena exteriormente não são os mesmos que você comete interiormente?

(Continua no próximo post)